O QUE ELA ME ENSINA TODOS OS DIAS
- Lu Andrade
- 20 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de out. de 2020
O que as crianças nos ensinam sobre a arte de viver no presente.

Dias atrás, minha filha me chamou para brincar de massinha. Sentei no chão com ela, celular ao lado. Ela se concentra por um momento mais longo em uma árdua empreitada para tirar o ursinho do molde sem que ele amassasse e eu percebo, naquele silêncio, o momento ideal para checar os stories do Instagram. Pego o celular, clico na primeira bolinha e, imediatamente, ela levanta o olhar e diz: “mamãe, chega de celular, agora é hora de massinha”.
Minha filha tinha razão, era hora da massinha. Como pode uma criança tão pequena saber dar mais valor às coisas realmente importantes do que eu, a adulta? É como se ela soubesse que seu único trabalho é se desenvolver e que modelar massinha é essencial para que isso aconteça. Claro que modelar massinha não é algo importante para mim, mas ter tempo de qualidade com a minha filha é. Então por que eu continuo interrompendo esses momentos para olhar coisas sem importância no celular?
Gabriel Salomão diz que “nós viajamos no tempo e no espaço o tempo todo (...) viajamos para todos esses lugares porque acreditamos que eles nos ajudarão a descansar de um dia intenso. Que aliviarão o esgotamento físico e psicológico que sentimos.”
Quando fiquei consciente disso, percebi que não acontece apenas quando estou com a minha filha. Eu faço refeições em frente à tv, tomo banho escutando algum vídeo, trabalho com 50 abas abertas no navegador, converso com meu parceiro pensando nas dezenas de coisas que preciso fazer no dia seguinte. Eu simplesmente perdi a capacidade de me concentrar, de fazer algo de corpo e mente presentes. Estou sempre em outro espaço e tempo.
Nesse processo de autoconhecimento, descobri que essas viagens fazem parte da minha vida como o ar que respiro sem perceber, é um impulso totalmente inconsciente e mesmo quando, conscientemente, eu tento ficar aqui, ainda assim eu viajo. Tenho a impressão que acumulamos tantas responsabilidades e estamos cercados de tantos estímulos que é muito difícil fazer qualquer coisa e realmente prestar atenção.
Para a minha filha não. Quando ela brinca de massinha, joga bola ou encontra um inseto interessante no chão, ela está sempre aqui e agora. Enquanto eu faço listas mentais de todas as tarefas que preciso executar, todos os trabalhos a entregar, os textos a escrever, o cardápio do almoço.... minha filha vive no presente, aproveitando ao máximo cada segundo de brincadeira. Enquanto eu passo o tempo pensando no futuro - como será sua personalidade quando crescer, se vai ter muitos amigos, se vai enfrentar dificuldades na escola - me esqueço de que ela está aqui agora e que eu tenho a oportunidade de abraçá-la e aproveitar sua companhia aqui e agora.
Eu não espero ser como ela. Nós adultos lidamos com responsabilidades que nos impedem de viver completamente no presente, mas se eu puder ser um pouquinho que seja como ela, viver um tempinho curto que seja aqui e agora, desacelerar um tiquinho que seja a minha mente… isso seria uma grande revolução. O texto terminava aqui, mas hoje aconteceu algo no banho: ela me pediu colo, eu a deitei em meu ombro e ficamos ali um tempinho debaixo do chuveiro, só ouvindo a água cair. Foi só um minuto, mas foi um minuto que eu consegui pensar apenas na gente debaixo do chuveiro e isso me deixou muito feliz.

SOBRE A AUTORA: Lu Andrade é mãe de uma menina, arquiteta e designer gráfico, empreendedora, apaixonada pelo universo da maternidade, artes, mão na massa, design infantil, Montessori e ciência.
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